quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O Deus-verme, de Augusto dos Anjos (1884-1914)

Factor universal do
transformismo.
Filho da teleológica matéria,
Na superabundância ou na
miséria,
Verme - é o seu nome obscuro
de batismo.

Jamais emprega o acérrimo
exorcismo
Em sua diária ocupação
fúnerea,
E vive em contubérnio com a
bactéria,
Livre das roupas do
antropomorfismo.

Almoça a podridão das drupas
agras,
Janta hidrópicos, rói vísceras
magras
E dos defuntos novos incha a
mão...

Ah! Para ele é que a carna
podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior
porção!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Admirável mundo novo 2.0 - A celebração do amadorismo, por Caio Rodrigues


Apesar de ser um importante, eficiente e democrático instrumento de educação, a internet no Brasil está ameaçando nossa cultura, valores e criatividade. Sem medo de parecer radical, nossa cultura está se transformando em uma rede de banalidades e desinformação em que qualquer um pode falar o que quiser, sem preocupação com a relevância ou a veracidade das informações. É a celebração do amadorismo: qualquer pessoa pode publicar um blog, postar um vídeo no YouTube, alterar um verbete no wikipedia e ser o sábio no Facebook. Mas, se a rede mundial é um importante instrumento de educação porque ela vem se tornando uma mistura de ignorância com egoísmo, mau gosto e ditadura das massas?

A resposta é simples: você. Isso mesmo. O culpado por ela se transformar nessa idiotia é você. Bem-vindo ao admirável mundo novo 2.0. Segundo a teoria do avô de Aldous Huxley, o evolucionista do século XIX, T. H. Huxley, conhecida por “teorema do macaco infinito”, se fornecermos a um número infinito de macacos um número infinito de máquinas de escrever, alguns macacos em algum lugar vão acabar criando uma obra-prima. A tecnologia de hoje vincula todos aqueles macacos a todas aquelas máquinas de escrever. Com a diferença de que em nosso mundo Web 2.0 as máquinas de escrever não são mais máquinas de escrever, e sim computadores pessoais conectados em rede, e os macacos não são exatamente macacos, mas usuários de internet. E em vez de criarem obras-primas, esses milhões e milhões de macacos exuberantes estão criando uma interminável floresta de mediocridade. Pois os macacos amadores de hoje podem usar seus computadores conectados em rede para publicar qualquer coisa, de comentários políticos mal informados a vídeos caseiros de mau gosto, passando por música embaraçosamente mal acabada e poemas, críticas, ensaios e romances ilegíveis.

Vamos aos exemplos: o Youtube eclipsa até os blogs na vacuidade e absurdo de seu conteúdo. Nada parece prosaico demais, ou narcísico demais, para esses macacos autores de vídeos. O site é uma galeria infinita de filmes amadores mostrando pobres idiotas dançando, cantando, comendo, lavando-se, dirigindo, limpando, dormindo ou simplesmente olhando para seus computadores. Mais perturbador que o fato de milhões de nós sintonizarmos de bom grado esse tipo de tolice diariamente é que alguns sites da web estão nos transformando em macacos sem sequer nos darmos conta. Quando digitamos palavras no mecanismo de busca do Google, estamos de fato criando algo chamado “inteligência coletiva”, a sabedoria total de todos os usuários do Google. A lógica do mecanismo de busca do Google, que os tecnólogos chamam de seu algoritmo, reflete a “sabedoria” das massas. Em outras palavras, quanto mais pessoas clicam num link que resulta de uma busca, mais provável se torna que esse link apareça em buscas consequentes. O mecanismo de busca é uma agregação de 90 milhões de perguntas que fazemos coletivamente ao Google a cada dia; em outras palavras, ele só nos diz o que já sabemos.

Esse infinito desejo de atenção pessoal está movendo a parte mais dinâmica da nova economia da internet – redes sociais como MySpace, Facebook, Bebo e Orkut. Como santuários para o culto da autotransmissão, esses sites tornaram-se repositórios de nossos desejos e identidades individuais. Eles se dizem devotados à interação social, mas na realidade existem para que possamos fazer propaganda de nós mesmos: desde nossos livros e filmes favoritos até as fotos de nossas férias de verão, sem esquecer “testemunhos” elogiando nossas qualidades mais cativantes ou recapitulando nossas últimas farras.

Vale salientar que tudo isso não é culpa de internet. Repito: é sua culpa. Na internet tem informação de qualidade e bobagem, educação e merda. Então porque o vídeo de Luíza tem milhões de acessos e um documentário sobre Darcy Ribeiro tem 10 mil visualizações? Porque as pessoas passam metade do seu tempo no Facebook do que lendo dissertações ou livros que já foram digitalizados? Porque não reformamos o pensamento para repensar a verdadeira reforma: a educacional. Uma educação como prática da liberdade e que quebre os valores nefastos que enegrecem nossa sociedade. Desse modo, quando as pessoas são ignorantes, desinformadas e sem consciência de suas atitudes, acabamos por apoiar cegamente uma cultura que endossa o plágio e o amadorismo. A propósito, será que Luiza foi mesmo pro Canadá?