Querida, ao pé do leito
derradeiro
Em que descansas dessa longa
vida,
Aqui venho e virei, pobre
querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto
verdadeiro
Que, a despeito de toda a
humana lida,
Fez a nossa existência
apetecida
E num recanto pôs o mundo
inteiro.
Trago-te flores - restos
arrancados
Da terra que nos viu passar
unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos
malferidos
Pensamentos de vida
formulados,
São pensamentos idos e
vividos.
Machado de Assis (1839-1908)
quarta-feira, 20 de julho de 2011
terça-feira, 19 de julho de 2011
Última metáfora, de Dione Barreto
Antes de ontem
se importava em manter as dores
debaixo do tapete
nos dias de número par
varria solidões
temperava saudades
e quando em vez
descongelava a cama
mas era no fogão
de acendedor
automático
onde requentava
cotidianamente
pedaços de filmes
pitadas de livros
conchas de espetáculos
ao som do renitente
ban-do-ne-on
de astor piazzola
chegado o dia
de número impar
banhou-se
vestiu-se
conferiu o calendário
e sentenciou:
parto de bagagem rápida
antes que o altar doméstico
destrua
a possibilidade da última
metáfora
Dione Barreto é poeta paraibana
se importava em manter as dores
debaixo do tapete
nos dias de número par
varria solidões
temperava saudades
e quando em vez
descongelava a cama
mas era no fogão
de acendedor
automático
onde requentava
cotidianamente
pedaços de filmes
pitadas de livros
conchas de espetáculos
ao som do renitente
ban-do-ne-on
de astor piazzola
chegado o dia
de número impar
banhou-se
vestiu-se
conferiu o calendário
e sentenciou:
parto de bagagem rápida
antes que o altar doméstico
destrua
a possibilidade da última
metáfora
Dione Barreto é poeta paraibana
Orion, de Carlos Drummond de Andrade
A primeira namorada, tão alta
que o beijo não a alcançava,
o pescoço não a alcançava,
nem mesmo a voz a alcançava.
Eram quilômetros de silêncio.
Luzia na janela do sobradão.
In Boitempo, 1976
que o beijo não a alcançava,
o pescoço não a alcançava,
nem mesmo a voz a alcançava.
Eram quilômetros de silêncio.
Luzia na janela do sobradão.
In Boitempo, 1976
sexta-feira, 15 de julho de 2011
Tomara, de Vinícius de Moraes
Toma
Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho
Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem
se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz
E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais
Vinícius de Moraes é poeta carioca
Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho
Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem
se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz
E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais
Vinícius de Moraes é poeta carioca
quinta-feira, 14 de julho de 2011
Meu pai, de Ferreira Gullar
Meu pai foi
ao Rio se tratar de
um câncer (que
o mataria) mas
perdeu os óculos
na viagem
quando lhe levei
os óculos novos
comprados na Ótica
Fluminense ele
examinou o estojo com
o nome da loja dobrou
a nota de compra guardou-a
no bolso e falou:
quero ver
agora qual é o
sacana que vai dizer
que eu nunca estive
no Rio de Janeiro
Ferreira Gullar, poeta maranhense
ao Rio se tratar de
um câncer (que
o mataria) mas
perdeu os óculos
na viagem
quando lhe levei
os óculos novos
comprados na Ótica
Fluminense ele
examinou o estojo com
o nome da loja dobrou
a nota de compra guardou-a
no bolso e falou:
quero ver
agora qual é o
sacana que vai dizer
que eu nunca estive
no Rio de Janeiro
Ferreira Gullar, poeta maranhense
Assinar:
Postagens (Atom)