segunda-feira, 16 de maio de 2011
A crítica social e política de Honoré Daumier
Por causa desta charge, do Rei da França como Gargântua, Daumier ficou preso seis meses no Ste. Pelagic em 1832
Conhecido em seu tempo como o “Michelangelo da caricatura”, Honoré-Victorien Daumier (26.02.1808, Marselha – 10.02.1879, Valmondois) foi um caricaturista, chargista, pintor e ilustrador francês. Atualmente, Daumier é considerado um dos mestres da litografia e um dos pioneiros do naturalismo.
Em 1816, atendendo às ambições do pai que queria seguir carreira de poeta, Daumier muda-se com a família para Paris. Nessa época, após freqüentar o Museu do Louvre, onde admirava e estudava as valiosas coleções do acervo, Daumier começou a se interessar pelas artes plásticas. Em 1822, iniciou as aulas no ateliê de Lenoir, além de estudar profundamente as obras de Rubens e Ticiano.
Suas primeiras litografias datam de 1820. Sua caricatura Gargântua, que ridicularizava o rei Luís Filipe, custou-lhe seis meses de prisão em 1831. Privado da liberdade, Daumier passava o tempo retratando os presos. Após essa temporada encarcerado, o ilustrador assinou um contrato com a revista La Caricature e, mais tarde, com a Le Charivari.
São conhecidas mais de 4.000 litografias de Daumier. De fato, ele foi um dos litógrafos mais especializados e ácidos de seu tempo. Seus trabalhos reproduziam uma visão crítica, irônica e direta dos acontecimentos de sua época. Com uma linha, Daumier podia redefinir um conceito psicológico, como na obra Ratapoli (1850).
Depois de dominar a técnica da litografia, caracterizada pela crítica social e política, Daumier trabalhou como ilustrador para publicidade e o mercado editorial, influenciado pelo estilo de Charlet. Também desenvolveu a linguagem da charge, da caricatura e da pintura, onde sua paleta de cores simplificava-se nos tons ocre e terra.
As temáticas das obras de Daumier exploravam, antes de tudo, a dignidade humana através das personagens, como artistas em desgraça e crianças na miséria, assuntos que o mobilizava de maneira singular. Segundo Baudelaire, as obras de Daumier foram com justiça denominadas complementos da Comédia Humana.
quarta-feira, 11 de maio de 2011
José, de Carlos Drummond de Andrade
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
A partir do livro Sentimento do mundo (1940), Carlos Drummond de Andrade parece se armar em relação a si próprio e ao mundo. E, se o individualismo evidente nos primeiros livros é mais útil, não é por isso menor. O mesmo "eu-oblíquo" contempla-se a si e ao mundo, e, se muitas vezes o pronome na primeira pessoa desaparece, o poeta se desdobra em uma terceira pessoa, até chegar a um outro "eu", "José", que se pergunta sobre o significado da própria existência e do mundo.
Mas este José não é outro senão o próprio poeta. A personagem funciona, no poema, como o desdobramento da personalidade poética do autor, tanto quanto nas demais situações apontadas, atrás de quem o poeta se esconde e se desvenda. O "não-ser" se faz presente neste poema por meio do modo verbal subjuntivo que torna a ação imprecisa. José não dorme, não cansa, não morre, ele é duro, apenas segue. Sua dureza é o que existe e tudo o mais é o "nada" no qual ele se funde.
Chama-se a atenção para o caráter construtivo que o Existencialismo dá a categoria "nada": ele é o inexistente, mas traz em si o por fazer. Escrito durante a Segunda Guerra Mundial e da ditadura Vargas, José, apesar da dureza, ainda tem o impulso de continuar seguindo. Mesmo sem saber para onde. Vários músicos cantaram os versos de Carlos Drummond de Andrade, mas a versão de Paulo Diniz (abaixo) ficou marcada pela harmonia contagiante dos instrumentos:
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
A partir do livro Sentimento do mundo (1940), Carlos Drummond de Andrade parece se armar em relação a si próprio e ao mundo. E, se o individualismo evidente nos primeiros livros é mais útil, não é por isso menor. O mesmo "eu-oblíquo" contempla-se a si e ao mundo, e, se muitas vezes o pronome na primeira pessoa desaparece, o poeta se desdobra em uma terceira pessoa, até chegar a um outro "eu", "José", que se pergunta sobre o significado da própria existência e do mundo.
Mas este José não é outro senão o próprio poeta. A personagem funciona, no poema, como o desdobramento da personalidade poética do autor, tanto quanto nas demais situações apontadas, atrás de quem o poeta se esconde e se desvenda. O "não-ser" se faz presente neste poema por meio do modo verbal subjuntivo que torna a ação imprecisa. José não dorme, não cansa, não morre, ele é duro, apenas segue. Sua dureza é o que existe e tudo o mais é o "nada" no qual ele se funde.
Chama-se a atenção para o caráter construtivo que o Existencialismo dá a categoria "nada": ele é o inexistente, mas traz em si o por fazer. Escrito durante a Segunda Guerra Mundial e da ditadura Vargas, José, apesar da dureza, ainda tem o impulso de continuar seguindo. Mesmo sem saber para onde. Vários músicos cantaram os versos de Carlos Drummond de Andrade, mas a versão de Paulo Diniz (abaixo) ficou marcada pela harmonia contagiante dos instrumentos:
terça-feira, 10 de maio de 2011
Parmigianino e Giambologna
Outra característica essencial do maneirismo é o alongamento intencional dos corpos e das proporções, o que pode ser visto nas três imagens em pé em Lacoonte, de El Greco, e também em A Virgem do pescoço longo, de Parmigianino (Francesco Mazzola; 1503-1540). Além do pescoço alongado da Virgem, essa característica é evidente em seus dedos compridos, bem como em toda a extensão do corpo – ela fa os anjos reunidos do lado esquerdo da pintura parecerem pequenos. Esse alongamento das proporções também é evidente no tratamento dado à perna esquerda e aos membros do Menino Jesus.
O grau de distorção nas obras maneiristas varia de artista para artista. As poses alongadas e distorcidas de O rapto das Sabinas, do escultor maneirista Giambologna (Jean Boulogne; 1509-1608), nascido em Flandres, são mais elegantes do que as poses retratadas na obra de El Greco ou Parmigianino. Produzido sem um patrono, o projeto deu a Giambologna a oportunidade de descobrir uma maneira de reunir várias imagens em uma composição única e relativamente complicada. O escultor incluiu o alongamento sutil na solução para os complexos problemas espaciais criados pelos três corpos entrelaçados.
segunda-feira, 9 de maio de 2011
Poema de sete faces, de Carlos Drummond de Andrade
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu
coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria a solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Assim como A mão suja, Poema de sete faces faz parte da primeira parte do livro Antologia Poética, onde estão poemas que tratam da questão do indivíduo. O eu-lírico fragmentado se apresenta como um deslocado no mundo, na figura de gauche (palavra fancesa que significa, literalmente, esquerdo). A imagem retoma a tradição francesa do poeta inadaptado, que tem como referência central Baudelaire.
Alegoria do triunfo de Vênus (1540-1550), de Agnolo Bronzino
O artista florentino Agnolo Bronzino se especializou em realizar sofisticadas narrativas alegóricas. Ele fez cuidadosos estudos com modelos vivos e utilizou como referência para as imagens nuas presentes em Alegoria do triunfo de Vênus, de modo a criar uma cena de erotismo tranqüilo.
A composição da pintura é coesa e complexa. O velho no canto superior direito, com uma ampulheta posicionada acima dele, é a personificação do Tempo. Os demais personagens à direita representam os prazeres; já os personagens à esquerda personificam entes como o Esquecimento, o Ciúme e o Desespero. As imagens entrelaçadas e que olham para lados diferentes, a fim de acrescentar movimento à tela, juntamente com as mãos e os pés alongados dos personagens centrais são típicos das obras do estilo maneirista.
Bronzino, além de pintor, foi um intelectual e poeta. Essa obra foi influenciada pela poesia erótica do poeta italiano Petraca, o que pode ser visto na expressão de intimidade de Vênus e Cupido. Mas a relação entre os dois principais personagens tem também um quê de obscenidade. Bronzino se sobressaiu ao retratar as superfícies e a pele de Vênus com um brilho especial e com um acabamento delicadamente polido, semelhante ao alabastro. Seus membros foram modelados à perfeição e bem definidos com contornos claros, reminiscentes da escultura clássica.
A obra foi encomendada como um presente para Francisco I da França, e seu simbolismo – cujo significado preciso é desconhecido – teria provocado entusiasmadas discussões palacianas. Mistura de erotismo estilizado com o que parece ser uma edificante alegoria, falta à obra, contudo, a intensidade emocional dos trabalhos do mestre de Bronzino, Pontormo.
DETALHES DA OBRA
1.Esquecimento
A imagem do Esquecimento, com uma expressão horrorizada e um rosto mascarado, parece tentar encobrir o amor incestuoso de Vênus por seu filho, Cupido.
O esquecimento parece ser impedido pelo poderoso braço da imagem do Tempo, que sabe que todos os assuntos dos homens são passageiros.
2.Beijo incestuoso
Não há dúvida sobre o caráter erótico do beijo entre Vênus e Cupido, já que a língua dela parece estar em movimento. Cupido é identificado por suas asas e flechas, e Vênus pela maçã, de modo que os espectadores não possam ignorar a verdade da pintura. Alguns proprietários do quadro chegaram a fazer com que o detalhe da língua fosse encoberto.
3.Quimera
Agachada atrás do menino feliz está a personagem alegórica da Quimera, uma criatura cujo corpo grotesco destoa do rosto encantador. Com uma de suas mãos, Quimera oferece a Vênus um bolo de mel, mas a outra mão esconde o ferrão em sua cauda. Sua presença é um aviso da dor que o amor erótico pode causar.
4.Menino travesso
Segurando pétalas de rosa em suas mãos, o menino travesso está pisando num espinho, reforçando, assim, o caráter ambivalente do amor. Ele costuma ser interpretado como o Prazer, mas também como o Louco ou Zombeteiro. A posição de seu braço, prestes a espalhar as pétalas, acrescenta um toque de movimento típico do maneirismo.
5.Máscaras
Outro lembrete das falsas aparências, se voltam para Vênus, e o espectador acompanha a linda de visão por todo o braço esquerdo da deusa, atravessa seu corpo, passa por seu braço direito e segue até o braço do Tempo. Nessa estrutura, os olhos acompanham o olhar de vários personagens, quase todos voltados para Vênus.
6.Mulher uivando
Esta personagem elouquecida é um dos poucos elementos a arruinar a atmosfera leve e divertida da pintura. A mulher curva a cabeça e toca em seus cabelos com mãos que parecem garras, com todos os tendões à mostra. A imagem personifica o Desespero ou Ciúme, e às vezes é relacionada à loucura causada pela sífilis.
domingo, 8 de maio de 2011
A mão suja, de Carlos Drummond de Andrade
Minha mão está suja.
Preciso cortá-la.
Não adianta lavar.
A água está podre.
Nem ensaboar.
O sabão está ruim.
A mão está suja,
suja há muitos anos.
A princípio oculta
no bolso da calça,
quem o saberia?
Gente me chamava
na ponta do gesto.
A mão escondida
no corpo espalhava
seu escuro rastro.
E vi que era igual
usá-la ou guardá-la.
O nojo era um só.
Ai, quantas noites
no fundo da casa
lavei essa mão,
poli-a, escovei-a.
Cristal ou diamante,
por maior contraste,
quisera torná-la,
ou mesmo, por fim,
uma simples mão branca,
mão limpa de homem,
que se pode pegar
e levar à boca
ou prender à nossa
num desses momentos
em que dois se confessam
sem dizer palavra...
A mão incurável
abre dedos sujos.
E era um sujo vil,
não sujo de terra,
sujo de carvão,
casca de ferida,
suor na camisa
de quem trabalhou.
Era um triste sujo
feito de doença
e de mortal desgosto
na pele enfarada.
Não era sujo preto
- o preto tão puro
numa coisa branca.
Era sujo pardo,
pardo, tardo, cardo.
Inútil reter
a ignóbil mão suja
posta sobre a mesa.
Depressa, cortá-la,
fazê-la em pedaços
e jogá-la ao mar!
Com o tempo, a esperança
e seus maquinismos,
outra mão virá
pura - transparente -
colar-se a meu braço.
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro, em Minas Gerais, no dia 31 de outubro de 1902. Filho de uma família de fazendeiros em decadência, Drummond estudou na cidade de Belo Horizonte e com os jesuítas no Colégio Anchieta de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, de onde foi expulso por "insubordinação mental". De volta a Belo Horizonte, começou a carreira de escritor como colaborador do Diário de Minas, jornal que aglutinava os adeptos locais do incipiente movimento modernista brasileiro.
Preciso cortá-la.
Não adianta lavar.
A água está podre.
Nem ensaboar.
O sabão está ruim.
A mão está suja,
suja há muitos anos.
A princípio oculta
no bolso da calça,
quem o saberia?
Gente me chamava
na ponta do gesto.
A mão escondida
no corpo espalhava
seu escuro rastro.
E vi que era igual
usá-la ou guardá-la.
O nojo era um só.
Ai, quantas noites
no fundo da casa
lavei essa mão,
poli-a, escovei-a.
Cristal ou diamante,
por maior contraste,
quisera torná-la,
ou mesmo, por fim,
uma simples mão branca,
mão limpa de homem,
que se pode pegar
e levar à boca
ou prender à nossa
num desses momentos
em que dois se confessam
sem dizer palavra...
A mão incurável
abre dedos sujos.
E era um sujo vil,
não sujo de terra,
sujo de carvão,
casca de ferida,
suor na camisa
de quem trabalhou.
Era um triste sujo
feito de doença
e de mortal desgosto
na pele enfarada.
Não era sujo preto
- o preto tão puro
numa coisa branca.
Era sujo pardo,
pardo, tardo, cardo.
Inútil reter
a ignóbil mão suja
posta sobre a mesa.
Depressa, cortá-la,
fazê-la em pedaços
e jogá-la ao mar!
Com o tempo, a esperança
e seus maquinismos,
outra mão virá
pura - transparente -
colar-se a meu braço.
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro, em Minas Gerais, no dia 31 de outubro de 1902. Filho de uma família de fazendeiros em decadência, Drummond estudou na cidade de Belo Horizonte e com os jesuítas no Colégio Anchieta de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, de onde foi expulso por "insubordinação mental". De volta a Belo Horizonte, começou a carreira de escritor como colaborador do Diário de Minas, jornal que aglutinava os adeptos locais do incipiente movimento modernista brasileiro.
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