segunda-feira, 9 de maio de 2011

Poema de sete faces, de Carlos Drummond de Andrade


Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu
coração.

Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria a solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Assim como A mão suja, Poema de sete faces faz parte da primeira parte do livro Antologia Poética, onde estão poemas que tratam da questão do indivíduo. O eu-lírico fragmentado se apresenta como um deslocado no mundo, na figura de gauche (palavra fancesa que significa, literalmente, esquerdo). A imagem retoma a tradição francesa do poeta inadaptado, que tem como referência central Baudelaire.

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