Minha mão está suja.
Preciso cortá-la.
Não adianta lavar.
A água está podre.
Nem ensaboar.
O sabão está ruim.
A mão está suja,
suja há muitos anos.
A princípio oculta
no bolso da calça,
quem o saberia?
Gente me chamava
na ponta do gesto.
A mão escondida
no corpo espalhava
seu escuro rastro.
E vi que era igual
usá-la ou guardá-la.
O nojo era um só.
Ai, quantas noites
no fundo da casa
lavei essa mão,
poli-a, escovei-a.
Cristal ou diamante,
por maior contraste,
quisera torná-la,
ou mesmo, por fim,
uma simples mão branca,
mão limpa de homem,
que se pode pegar
e levar à boca
ou prender à nossa
num desses momentos
em que dois se confessam
sem dizer palavra...
A mão incurável
abre dedos sujos.
E era um sujo vil,
não sujo de terra,
sujo de carvão,
casca de ferida,
suor na camisa
de quem trabalhou.
Era um triste sujo
feito de doença
e de mortal desgosto
na pele enfarada.
Não era sujo preto
- o preto tão puro
numa coisa branca.
Era sujo pardo,
pardo, tardo, cardo.
Inútil reter
a ignóbil mão suja
posta sobre a mesa.
Depressa, cortá-la,
fazê-la em pedaços
e jogá-la ao mar!
Com o tempo, a esperança
e seus maquinismos,
outra mão virá
pura - transparente -
colar-se a meu braço.
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro, em Minas Gerais, no dia 31 de outubro de 1902. Filho de uma família de fazendeiros em decadência, Drummond estudou na cidade de Belo Horizonte e com os jesuítas no Colégio Anchieta de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, de onde foi expulso por "insubordinação mental". De volta a Belo Horizonte, começou a carreira de escritor como colaborador do Diário de Minas, jornal que aglutinava os adeptos locais do incipiente movimento modernista brasileiro.
domingo, 8 de maio de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário