E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
A partir do livro Sentimento do mundo (1940), Carlos Drummond de Andrade parece se armar em relação a si próprio e ao mundo. E, se o individualismo evidente nos primeiros livros é mais útil, não é por isso menor. O mesmo "eu-oblíquo" contempla-se a si e ao mundo, e, se muitas vezes o pronome na primeira pessoa desaparece, o poeta se desdobra em uma terceira pessoa, até chegar a um outro "eu", "José", que se pergunta sobre o significado da própria existência e do mundo.
Mas este José não é outro senão o próprio poeta. A personagem funciona, no poema, como o desdobramento da personalidade poética do autor, tanto quanto nas demais situações apontadas, atrás de quem o poeta se esconde e se desvenda. O "não-ser" se faz presente neste poema por meio do modo verbal subjuntivo que torna a ação imprecisa. José não dorme, não cansa, não morre, ele é duro, apenas segue. Sua dureza é o que existe e tudo o mais é o "nada" no qual ele se funde.
Chama-se a atenção para o caráter construtivo que o Existencialismo dá a categoria "nada": ele é o inexistente, mas traz em si o por fazer. Escrito durante a Segunda Guerra Mundial e da ditadura Vargas, José, apesar da dureza, ainda tem o impulso de continuar seguindo. Mesmo sem saber para onde. Vários músicos cantaram os versos de Carlos Drummond de Andrade, mas a versão de Paulo Diniz (abaixo) ficou marcada pela harmonia contagiante dos instrumentos:
quarta-feira, 11 de maio de 2011
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